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No dia 17 de maio de 2017, uma quarta-feira foi marcada por um daqueles eventos indesejáveis, de alto impacto, que varreu o mercado e pegou todo mundo de surpresa. Como a bomba estourou depois que o mercado havia fechado, os efeitos só foram sentidos no dia seguinte na quinta-feira.
Eu já vinha surfando uma bela de uma onda, bem posicionado para capturar toda a recuperação econômica brasileira. Peguei o início do bull market e assim como todo o resto do mercado eu estava exposto a juros e a bolsa em níveis consideráveis.
As minhas posições de juros longo chegaram a desvalorizar em 30% e as posições em bolsa despencaram em torno de 10% na média em um único dia.
Nem o melhor gestor de fundos do Brasil conseguiu passar ileso pelo banho de sangue daquela quinta-feira. Ufa! Não estou sozinho.
Naquele momento eu vi minha tese de investimento sendo testada, minhas convicções sendo desafiadas e meu estômago dando um nó forte tentando suportar o nível de volatilidade nos ativos da minha carteira
Dada a característica do meu perfil de investimento voltada para longo prazo, eu já vinha sentindo uma certa preocupação em proteger os ganhos auferidos. Se eu compro boas empresas para nunca mais vender, como proteger os ganhos da minha carteira contra eventos catastróficos?
De certa forma eu já tinha a resposta. Eu fui apresentado a um autor que estudou e escreveu um conceito que explica exatamente o que aconteceu no fatídico evento que atingiu a presidência do nosso país. Eu vivenciei a materialização do que Nassim Taleb escreveu em seu livro Black Swam (A lógica do cisne negro).
De fato, esta obra explica muita coisa, porém eu ainda não tinha lido tal teoria e muito menos me protegido contra eventos com estas características. Portanto fui logo correndo atrás do livro supracitado, mas me vi incapacitado para devorar um livro de quase 500 páginas em um curto espaço de tempo. Foi aí que tive a ideia de procurar por um bom resumo do livro.
Cisne Negro
O livro de Taleb conta que antes de 1697 os professores europeus ensinavam suas crianças que todos cisnes eram brancos. Mas um certo dia o explorador holandês Willem de Vlamingh chegou na Austrália. No meio de várias criaturas exóticas ele encontrou uma ave de penas pretas iguais os cisnes.
Será Cisnes Negros? Sim exatamente iguais os cisnes brancos. Isso forçou os europeus a revisarem seus conceitos sobre cisnes, de forma que com o tempo cisnes negros passaram a ser normais.
Aqui observamos a primeira grande lição de sua teoria: Somente pelo fato que você nunca viu um cisne negro, não significa que o cisne negro não exista.
Generalizando este padrão comum podemos dizer que: Ausência de evidência, não é evidência de ausência.
Esta generalização deve ser memorizada e resgatada toda vez que você se tornar vítima do viés cognitivo, ou seja, fazendo conclusões de qualquer natureza pelo simples fato de que você não está enxergando evidências que contradizem suas convicções.
Outras características da teoria de Taleb:
- Cisnes Negros modelaram a história da ciência, tecnologia, negócios e cultura;
- A medida que o mundo fica mais conectado, as consequências dos Cisnes Negros tornam-se maiores;
- A mente humana está sujeita a vários pontos cegos, ilusões e vieses;
- Um dos vieses mais perniciosos que existe é o mal-uso de ferramentas de estatística, como é o caso da distribuição gaussiana (Bell curve) que ignora os cisnes negros;
- A ferramenta de estatística lei da potência ou lei de Pareto ou regra 80/20 é muito melhor para modelar fenômenos importantes;
- Conselho de especialista é frequentemente inútil;
- Muitas previsões são pseudociência;
- Você pode até treinar para tentar superar seus vieses cognitivos e o efeito da aleatoriedade, mas não será uma tarefa fácil;
- Você pode se proteger dos cisnes negros negativos e beneficiar dos positivos;
Resumindo: cisnes negros são aqueles eventos considerados de baixa probabilidade, de alto impacto, imprevisíveis e são facilmente explicáveis após acontecerem.
A prova de fogo
Sabe aquela onda que eu te contei no início deste texto que estava surfando? Acredite! Eu caí dela e tomei um baita caldo.
Naquela quinta-feira eu vi pela primeira vez um cisne negro e presenciei um circuit breaker da bolsa estando dentro dela.
É como estar voando tranquilamente em um avião comercial e de repente a luz vermelha de atar cinto acende. Então a tripulação anuncia: por favor permaneçam em seus acentos com o sinto de segurança afivelado, pois estamos passando por uma área de instabilidade.
Logo na sequência aquele mostro dos ares começa a chacoalhar e por vezes despenca, caindo como se tudo fosse acabar naquele momento, sem você poder fazer absolutamente nada.
Enquanto uns permanecem tranquilos, outros gritam e até choram de desespero. O fato é que quem já passou por esta experiência, permanecem imóveis, mostrando que está tudo normal. Para mim parece ser uma tentativa de não mostrar fraqueza. E olha que eu já ouvi gente dizendo que até gosta de um pouco de balanço lá nas alturas.
Uma vez consciente que para evoluir como investidor eu teria que passar por uma turbulência no mercado de capitais, é melhor que esta cerimônia acontecesse o quanto antes. Pelo menos aquela angústia que eu vinha sentido passa e agora estarei mais preparado para as muitas crises que veremos adiante.
Como enfrentei o banho de sangue?
Quando eu tomei conhecimento do que estava acontecendo já era quinta-feira, ou seja, a guerra já tinha começado. Era tiro pipocando para todo lado e muitas pessoas no desespero levantava e saia correndo. Este movimento arrastava mais gente agindo loucamente na tentativa de se salvar.
Eu fui muito bem aconselhado a ficar quieto. No meio de uma guerra o seu objetivo é sobreviver, você pode até se machucar, mas saia vivo.
Sendo assim permaneci ali imóvel assistindo à deterioração dos mercados e ao mesmo tempo refletindo sobre minha estratégia de investimentos. Ela estava sendo testada e permanecer fiel era a melhor saída.
Afinal o que eu fiz ao ver grandes investidores liquidando posições gigantescas? Nada. Isso mesmo, eu não fiz nada.
Quais lições eu aprendi?
Ficar longe de notícias:
Não ler sites de notícias de economia, política e afins. Estes conteúdos não ajudam, somente atrapalham. Infelizmente o jornalismo online se tornou num canibalismo atrás de cliques para gerar audiência para vender publicidade. Os conteúdos são enviesados com o objetivo de chamar a atenção e atrair cliques.
Diante deste fato o que fazer então?
Ler bons livros como referenciais teóricos como o de Nassim Taleb é um bom caminho.
E compre conteúdo especializado. Isso mesmo faça este favor a você mesmo. Se quer informação de valor, compre a informação. Procure por jornalismo ou casas de pesquisa que gerem conteúdo e vendam por assinatura. Somente assim você garante que a informação terá valor para você tomar decisões importantes relativas ao seu dinheiro.
A volatilidade é minha melhor amiga:
Da mesma forma como narrei metaforicamente que algumas pessoas gostam do balanço do avião ao atravessar uma turbulência, analogamente o investidor também deve aprender a gostar da volatilidade.
Devo confessar que não é confortável sentir na pele o movimento louco dos preços.
No entanto é aqui que reside as maiores oportunidades de investimentos. Estes movimentos tendem a descolar da realidade e não refletir os fundamentos das empresas.
A lição mais importante aqui foi aprender que as maiores oportunidades de investimentos são criadas por erros dos outros investidores.
Desta forma ótimas oportunidades de ótimas empresas com ótimos negócios são negociadas a preço de banana. Isso só é possível pois vendedores são forçados a liquidarem posições ou simplesmente erram na análise, que causam preços absolutamente irreais.
Eu não sei
Eu adoro a liberdade e este é um dos principais motivadores deste projeto. Estou aqui estudando e compartilhando conhecimento como parte da busca pela liberdade que a independência financeira poderá me proporcionar.
Afinal poder dizer: Eu não sei o que acontecerá no futuro, é libertador. Portanto não vou tentar adivinhar o futuro, além de impossível é inútil.
Qualquer um que diz capaz de prever os preços dos ativos no futuro é um charlatão.
Certamente é muito mais prudente eu me recolher a minha humilde condição e não tentar ser mais esperto do que o mercado. Existem muitos tubarões (grandes investidores inteligentes) prontos para devorarem as sardinhas (coitado de mim) que se aventurarem sozinhas em alto mar.
Não fazer nada que eu não seja obrigado a fazer
Se eu não estou alavancado ou operando derivativos, não há motivos para tentar ser mais esperto ou estúpido que o mercado.
Na minha carteira de investimento só tem empresas boas, selecionadas segundo critérios de uma estratégia de investimento de longo prazo focado em valor (obrigado Graham, Buffet e Munger), se nenhuma delas está alavancada ou fazendo turnaround ou é estatal – me ajude BBAS – a lição nos ensina que sobreviremos e as empresas também sobrevirão.
Fidelidade a estratégia
Se estou seguindo uma estratégia de investimento adequada, o mais importante é ficar em paz e se necessário longe do homebroker. Por outro lado, caso tenha assumido risco além da conta o melhor é assumir as perdas, aprender a lição e fazer os ajustes necessário. Insistir no erro é para principiantes.
Por qual razão o mercado cai demais?
Entender estes movimentos é libertador, uma vez que o mercado estará testando suas convicções e como já mencionado na lição anterior você deverá permanecer fiel a estratégia.
Assim eu aprendi que o principal motivo das quedas bruscas é provocado pelo medo de que a situação seja pior do que parece ser. Por isso que após quedas muito acentuadas, o mercado volta a recuperar parte das perdas, uma vez que as pessoas entenderam melhor os fatos e logo chegam a conclusão que o monstro não era tão feio quanto parecia inicialmente.
Afim de entendermos melhor quem são os agentes direcionadores destes movimentos, é preciso saber quem são os maiores negociadores da bolsa.
E eles são os fundos. Sim, os fundos respondem pela maioria do volume de negócios da bolsa. Desta forma são eles que provocam os grandes movimentos que podem resultar em circuit breaker.
Fundos usam a volatilidade como medida de risco e possuem mandatos de risco bastante restritivos. Isso quer dizer que quando o medo toma conta e o mercado entra em pânico os fundos por força de regulamento são obrigados a liquidarem suas posições.
Portanto a pressão vendedora é muito forte e para piorar eles atraem um monte de sardinha (pequenos investidores) que seguem o movimento e isso vira uma espiral mortal, resultando na paralisação da bolsa.
Conclusões
Se você assim como eu enfrentou um Cisne Negro e experimentou um circuit breaker sem se desesperar e vender tudo que tinha a qualquer preço, parabéns para nós.
Nós merecemos, este foi um rito necessário que marca a chegada a maturidade como investidor em ações.
Eu posso dizer que estou bem feliz por ter sobrevivido ao meu primeiro Cisne Negro. No entanto para mim o mais importante foi ter algumas hipóteses de investimento validadas e principalmente ter aprendido lições valiosas que certamente terão ainda mais valor no futuro.
Os dias que seguiram, já devolveram parte das perdas que tive e seguindo a boa prática, eu estou observando para capturar algumas oportunidades que estes momentos criam para investidores preparados.
Ganhar dinheiro no mercado de ações brasileiros não é para os fracos.