Tempo de leitura: 4 minutos
A cada reflexão que faço sobre dívidas é uma decepção nova que recebo em troca por tentar compreender melhor a escolha feita.
Eu cresci num país onde a maioria das pessoas tem ou vão ter alguma relação com empréstimos para conseguir conquistar alguma coisa. É interessante como que para muitos e inclusive eu, conseguir dinheiro emprestado em algumas situações é sinônimo de conquista e passível até de comemoração.
Eu lembro perfeitamente como foi incrível quando consegui meu financiamento estudantil, foi uma sensação de vitória e alívio que me trouxe num primeiro momento uma tranquilidade.
Mais tarde veio a primeira experiência com financiamento de automóvel e foi exatamente neste tipo muito popular de empréstimo que eu comecei a entender na prática o custo de uma dívida. Como ficava caro comprar um carro desta forma. Ao todo foram oito carros usados e o último e atual veículo também marcou o momento “chega”. A decisão já foi tomada e eu não quero e não vou mais fazer dívida para comprar carros.
Outra experiência que vivenciei neste mercado é que financiar é a escolha mais comum e inclusive muito incentivada pelos revendedores, pois eles ganham comissão dos bancos e financeiras através de uma taxa de retorno que é embutida nas parcelas do financiamento.
Dentre tantas formas de financiar consumo, ainda resta uma muito popular que é a tão sonhada casa própria. Esta última que na maioria das situações não compensa do ponto de vista financeiro, mas que tem um apelo emocional e pressão social muito forte acabou por ser mais uma das minhas intermináveis dívidas e foi o suficiente para me ensinar definitivamente o quanto dívidas são ruins para minhas finanças e meu tão desejado futuro livre de armadilhas imposta por modelos sociais falsamente tido como normais.
Está aí um pouco da minha relação com dívidas e crédito, mas se eu mudasse o sujeito das frases acima e falasse que esta é a sua história, a história do fulano, beltrano ou outro da Silva qualquer, será que eu estaria compartilhando a história de outra pessoa com as mesmas escolhas ou isso só aconteceu comigo?
Eu ouso a afirmar que esta história pode ser traduzida como a de muito brasileiros. Este é o modelo que está posto na nossa sociedade como normal, financiar consumo é normal.
Sempre me disseram que financiar os estudos era uma “dívida boa“, que financiar carro era “normal” e que financiar a casa você estaria pagando algo que é “seu” e pagar aluguel é “jogar dinheiro fora“…
Eu trabalhei aqui no Brasil por alguns anos prestando serviços de tecnologia da informação em uma grande empresa de cartões de crédito dos Estados Unidos. Em um determinando momento a nossa equipe recebeu um projeto para alterar o sistema global da empresa, para permitir a compra parcelada ou o parcelamento da fatura.
Aquilo me chamou muito atenção e na minha cabeça surgiu uma grande dúvida: Como que um sistema maduro e projetado para o mercado americano e tantos outros pelo mundo a fora não permite uma coisa tão básica como o parcelamento?
A resposta: Os americanos não compram a prazo ou parcelado, é tudo à vista, a alteração do sistema é só para o mercado brasileiro.
Depois fui entender melhor esta característica dos americanos. A economia americana apesar de consumista, as compras são à vista e que financiamento quando ocorre como é o caso de carros e casas os juros são muito baixos se comparado a nossa realidade.
O mercado de crédito vai te vender realização de sonhos, que você merece o bem de consumo e que o pagamento é facilitado em suaves prestações. Eles escondem o real custo da dívida e te mostra somente o tamanho da parcela para fazer você entender que o único critério de decisão é o valor da parcela no orçamento mensal. Vendedores são treinados e usam de táticas de marketing que acionam gatilhos emocionais no seu cérebro para te forçar a tomar uma decisão.
Eu não gosto de financiamento para consumo. Dívidas são perigosas e precisam ser analisadas sob vários aspectos entre eles: saber compreender o custo real da dívida, evitar ciladas sociais disfarçadas pelo senso comum como normal, custo de oportunidade, etc.