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Muitas pessoas assistiram a uma reportagem do programa dominical Fantástico que mostrou a história de um mineiro conhecido como o Tio Patinhas de Bom Jesus. Ele levou 25 anos para realizar o sonho de comprar uma moto com moedas, confira aqui o vídeo da reportagem.
A história do mineiro nos ensina que quando temos um objetivo definido, conhecimento e domínio das etapas do que precisa ser feito e principalmente disciplina para poupar, qualquer sonho é possível de ser realizado.
Apesar dele ter conseguido o objetivo com os recursos de conhecimento que ele tinha, a história mostra que a falta de domínio de conceitos básicos de finanças, fez ele gastar muito mais tempo e esforço para chegar no objetivo.
O objetivo deste artigo não é criticar a figura simpaticíssima do Tio Patinhas de Bom Jesus, já que ele deixou claro que o objetivo dele era comprar uma moto nova com moedas. Mas eu quero juntamente com você analisar esta história para mostrar um conceito importante de finanças: a inflação.
Alguns conceitos financeiros são tão básicos que qualquer pessoa deveria pelo menos entender o básico de seu funcionamento, para saber como isso afeta seu dia-a-dia.
No vídeo é possível observar que ele juntou moedas em garrafas e guardou debaixo do telhado de sua casa. A técnica usada é análoga a juntar dinheiro debaixo do colchão. Ele ignorou dois conceitos muito importantes que é a inflação e efeito benéfico dos juros compostos ao longo do tempo.
Basicamente a inflação jogou contra nosso personagem e joga contra nós, todos os dias. Então vamos entender nas próximas linhas essa tal de inflação.
Entretanto, eu preciso falar de PIB e de SELIC para explicar a inflação, mas para manter o foco do texto e simplificar o que é complicado, vamos definir estas 2 letrinhas assim:
- PIB: Produto Interno Bruto é a soma de tudo que o país produziu em bens e serviços. Mede o nível de atividade econômica, ou seja, o quanto a economia cresceu ou retraiu.
- PIB Potencial: É o PIB que poderia existir se a economia estivesse rodando a todo vapor, ou seja, se existissem clientes suficiente para comprar tudo que a indústria conseguisse produzir.
- SELIC: Taxa básica de Juros. Taxa de juros que os bancos/empresas usam para captar dinheiro no mercado. Quando nós emprestamos dinheiro para o banco/empresas através da renda fixa é a taxa SELIC que vai definir o quanto nós iremos ganhar de rentabilidade.
Desmistificando a inflação
Daí decorre um questionamento natural: O que gera a inflação? E por que existe a inflação?
É consenso no mercado que existem três fatores essenciais que interagem constantemente entre si para determinar a inflação.
Um deles é o nível de atividade da economia (PIB) comparado ao seu nível máximo (PIB potencial).
A ideia é bem simples: Imagine que a economia esteja operando muito acima do seu potencial. Isso ocorre quando você vai naquele restaurante que você adora e tem fila de espera na porta. Ou quando você vai na concessionaria para comprar aquele lançamento do ano e o vendedor te fala que o modelo que você deseja não tem de pronta entrega e que você deveria esperar por 3 meses para receber o produto.
Quando esta situação ocorre, as empresas competirão entre si pela mão de obra existente. Isso ocorre quando aquele seu colega de trabalho vai para o concorrente dizendo que conseguiu um salário melhor. Como a mão de obra está escassa, as empresas aumentam salários para manter os atuais funcionários e oferecem valores mais altos para atrair novos talentos. Ao mesmo tempo a demanda pelos produtos/serviços está alta, portanto as empresas não veem dificuldades para elevar seus preços para cobrir os custos dos aumentos nos salários.
Isto é a inflação.
Da mesma forma, só que o inverso, ou seja, em caso de recessão profunda na economia, os empregos somem, as demandas salariais costumam diminuir e as empresas não conseguem aumentar preços, pois os consumidores procuram por produtos com preços mais baixos e assim a inflação perde força.
Os reajustes automáticos
O segundo fator são os reajustes automáticos de preços. Existem na economia uma série de preços que tem seus reajustes baseados na inflação passada. Um exemplo típico são os aluguéis que garantem em contrato um índice de reajuste, que pode ser o IGP-M ou o IPCA.
Outro exemplo bastante conhecido são as mensalidades escolares e até mesmo os salários.
É a inflação gerando mais inflação.
Contudo estas regras não são cravadas em pedra. Se em uma determinada região existem muitos imóveis disponíveis para aluguel é comum que inquilinos tente renegociar os reajustes e os proprietários normalmente aceitam um valor abaixo do contratado já que ele não quer correr o risco de ficar com o imóvel ocioso.
Salários também podem passar pela mesma situação. Trabalhadores podem aceitar reajustes inferiores a inflação para não correr o risco de perder o emprego.
Expectativa da inflação
O terceiro fator é a expectativa da inflação no futuro. Imagine que você é um produtor ou um trabalhador e está neste momento negociando o preço do seu produto ou o seu salário, que permanecerá fixo pelos próximos 12 meses.
Considerando um cenário de inflação baixa você não deveria se preocupar com a perda do poder de compra do seu salário. Por outro lado, se a inflação anda alta você saberá que seu salário perderá poder de compra a cada mês que permanecer fixo, enquanto os demais preços sobem. No próximo ano você receberá um aumento de salário ou aumentará o preço do seu produto e isto repõe em partes as perdas geradas pela inflação. É importante notar que as perdas que você teve ao longo do caminho não são repostas com os reajustes anuais.
Sabendo disso e para se proteger você tenta incorporar no preço do seu produto ou no seu salário a inflação esperada para os próximos 12 meses. Como é difícil saber qual será a inflação no futuro, você incorpora o que acredita que será a inflação ao longo dos próximos meses, ou seja, uma expectativa da inflação.
Da mesma forma se a economia estiver fraca, será difícil repassar tudo que esperam de aumento, mas se a economia estiver muito aquecida não encontrarão dificultadas em incorporar a expectativa de inflação nos preços e salários.
Resumindo, o comportamento da inflação depende da atividade econômica (que é a distância entre o nível de atividade vigente e o nível máximo de atividade possível), da inflação passada e da expectativa da inflação no futuro.
A taxa de juros (SELIC)
No início falei sobre a taxa básica de juros, conhecida como SELIC. Agora chegou a hora de explicar onde que ela entra nesta história toda.
A taxa de juros exerce enorme influência sobre o nível de atividade econômica, que foi o primeiro fator que vimos que determina a inflação. Portanto é importante saber que existe uma porção da taxa de juros que cumpre este papel, que chamamos de juro real.
É simples. É aquela parte da taxa que ultrapassa a inflação. Você pega a taxa de juros menos a expectativa da inflação, o que sobra são os juros reais.
Para uma SELIC de 10%, imaginemos dois cenários de inflação: Primeiro uma inflação esperada de 12%, assim teremos uma taxa de juro real próximo de -2% (10% – 12%). Já se a inflação esperada for de 8%, teremos uma taxa de juro real positiva de aproximadamente 2%.
Agora podemos imaginar o que acontece nestes cenários. No primeiro caso, não faz sentido poupar, pois os rendimentos da aplicação não cobrem o efeito da inflação e no final do período você acaba por ter menos poder de compra do que teria no início. E no segundo caso o poder de compra aumentaria em aproximadamente 2%, que é o ganho da taxa de juro real.
Isto posto, podemos concluir que quanto maior for a taxa real de juros maior é o estímulo para você poupar, portanto menor será o consumo e consequentemente menor será o nível de atividade econômica. Por outro lado, quanto menor for a taxa real de juros, menor será a poupança e por consequência maior será o consumo e o nível de atividade.
Somente para sua informação, existem outros fatores que influenciam o nível de atividade, como a nível de gasto público e o nível de tributação. No entanto, vamos ignorá-las para manter o entendimento mais simples.
Para fecharmos o raciocínio, agora é possível entender o motivo pelo qual o Banco Central (BC) fica mexendo regularmente na taxa básica de juros. Quando o BC quer reduzir a inflação, deve elevar a taxa de juros, para reduzir o nível de atividade econômica e fazer uma pressão para baixo na inflação. Lembra? mais juro real, estimula a poupança que reduz o consumo, que reflete em um nível de atividade econômica mais baixo e enfim pressiona a inflação para baixo.
Por fim o oposto também é verdadeiro. O BC querendo aumentar a inflação, deve baixar os juros, para estimular o consumo e atividade econômica e assim fazendo uma pressão na inflação para cima, já que empresas vão repassar aumentos nos preços e oferecer salários melhores para as pessoas.
O regime de metas da inflação
Imagino que você deve ter estranhado o início da frase anterior: Por que o BC poderia querer aumentar a inflação? Na verdade, o objetivo nunca é aumentar a inflação, mas aumentar o consumo que tem como consequência o aumento da inflação.
Mas com esta pergunta na cabeça chegamos na parte final para fechar nosso entendimento sobre a inflação. O Brasil moderno é regido por um regime de metas de inflação.
Aprendemos que a inflação depende do nível de atividade econômica, da inflação passada e da inflação futura. Vimos também que o nível de atividade econômica depende da taxa básica de juros.
Sendo assim, do que depende a taxa de juros?
No regime de metas de inflação, a equipe econômica do país determina uma faixa de inflação aceitável para a política econômica e entrega esta meta para o BC tomar conta. No momento da escrita deste texto a faixa do regime de inflação vigente vai de 3% a 6%, sendo o centro da meta 4,5%. O BC deve manter a inflação dentro desta faixa e caso ele falhe nesta missão deve dar explicações para o governo.
Entendido isso, podemos deduzir que a taxa de juros funciona com uma ferramenta de controle de inflação e ela acaba sendo o principal mecanismo que o BC usa para cumprir a meta de controle de inflação.
Periodicamente o BC reúne e determina a taxa de juros baseando-se na diferença entre a inflação esperada e a meta para a inflação: caso a inflação esperada pelo BC supere a meta, o BC eleva a taxa de juros; caso contrário, reduz a taxa de juros; mas se a inflação estiver comportada ao redor do centro da meta, ele pode optar por manter a taxa de juros inalterada.
Esta reunião do BC é feita por uma equipe conhecida como COPOM (Comitê de política monetária) e a decisão é formada por esta equipe e comunicada ao mercado. O BC funciona como um termostato monetário, se contrapondo aos desvios da inflação e fazendo com que ela convirja para o centro da meta.
Conclusão
O nosso personagem foi muito penalizado por conta da falta de domínio deste conceito, mesmo ele afirmando que não queria ganhar dinheiro com investimentos e que o desejo dele era comprar uma moto com moedas. Isso mostra um completo desconhecimento e domínio de conceitos básicos de finanças pessoais.
O Tio Patinhas poderia ter chegado ao objetivo dele em menos tempo ou ter juntado o equivalente para comprar umas 3 ou 4 motos no mesmo período. O Leandro Ávila do Clube dos Poupadores fez os cálculos e simulações mostrando o resultado desastroso do nosso amigo lá de Bom Jesus da Penha, basta conferir neste link aqui.
Basicamente se ele tivesse juntado os R$ 9600,00 em uma conta de poupança que não é a melhor opção de investimento, mas é a mais acessível e a que não requer nenhuma estratégia sofisticada de investimento, ele teria juntado aproximadamente R$ 29.698,25.
Imagine que o Tio Patinhas iniciou uma corrida de 5 km e a organização do evento mudava a chegada à medida que o tempo ia passando. Logo nosso corredor estava correndo 10 km, meia maratona, uma maratona e no final ele chegou no destino, mas acabou correndo uma ultramaratona. Isto foi o efeito da inflação jogando contra ele a todo momento.
Sobretudo, eu gostaria de ressaltar o exemplo de disciplina e persistência que ele mostrou com esta loucura de comprar uma moto com moedas.
A lição que fica é que a inflação afeta a vida de qualquer pessoa, seja desvalorizando o dinheiro que você poupa ou encarecendo os produtos/serviços que você compra para manter seu estilo de vida.
Escolher não entender um pouco de finanças pessoais e o básico de economia pode ser desastroso para sua vida. Espero que com o exemplo do Tio Patinhas de Bom Jesus da Penha você agora conhece e entende o essencial sobre a inflação.
Fonte: Vídeo da reportagem do Fantástico, Juntar dinheiro para comprar moto
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Excelente trabalho!! Ótimo conteúdo e bom fundamento! Parabéns!!