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No momento em que escrevo estas palavras, estou passando por uma das mais graves crises nos mercados de investimentos que pude presenciar com um mínimo de entendimento e consciência das consequências que certamente virão.
Estou em pânico, estarrecido, vendo uma das derrocadas mais intensas nos ativos financeiros, é como se tudo neste mercado não valesse mais nada.
E de fato investir no mercado financeiro, assumir riscos, não é fácil e é consenso que todo investidor deve passar por momentos difíceis como este para se tornar mais completo.
Eu estou falando de uma crise que se apresentou em vários atos. Primeiro uma pandemia de COVID-19 provocado por um tipo de coronavírus que surgiu na china no fim de 2019 e início de 2020 e espalhou rapidamente pelo o mundo.
No meio desta crise sanitária, surge uma guerra comercial no mercado de petróleo entre Rússia e Arábia Saudita que não se entendem sobre o nível de produção da commodity por conta de uma demanda fraca no mercado global.
Para completar o pacote da tempestade perfeita, o ambiente político local conturbado com tensões entre os poderes, cria as condições necessárias para flertarmos novamente com o abismo.
O mercado de renda variável brasileiro já vinha pesado desde o dia 24 de janeiro após atingir uma máxima no dia anterior por volta dos 119.000 pontos.
O gráfico a seguir mostra exatamente a derrocada apoteótica do índice Bovespa do topo de 119.000 até 63.000, uma queda de quase 40%.
A histórica semana do Ibovespa
- Segunda: -12,17% (2ª maior queda do século)
- Terça: +7,14% (2ª maior alta em 11 anos)
- Quarta: -7,64%
- Quinta: -14,78% (maior queda do século)
- Sexta: +13,91% (maior alta em 11 anos)
Certamente a semana do dia 09 de março ficou marcada na história como uma das piores do mercado financeiro mundial com 4 circuit breakers na nossa bolsa local, totalizando 6 acionamentos .
Histórias tristes
Muitas pessoas não estão preparadas para passar por perdas desta magnitude. Sim, o mercado financeiro também fizera suas vítimas fatais.
Um jovem americano de 20 anos de idade cometeu suicídio, por acreditar ter perdido 750 mil dólares no mercado de opções, você pode conferir os detalhes da história clicando aqui.
Obviamente existem outros casos como o do investidor paulistano de meia idade que perdeu 100 mil na bolsa e sofreu uma parada cardíaca fulminante e não resistiu.
E também podemos exemplificar com o caso de um paranaense que empenhou as economias da família no mercado acionário e perdeu tudo. Quebrado e fora do jogo pensou em cometer em suicídio.
Estas últimas histórias foram publicadas na revista VEJA de 25 de março de 2020, edição nº 2679.
Minha estratégia de investimento
Uma simples estratégia de valor acumulando patrimônio na forma de ativos financeiros com o foco no longo prazo. A carteira já estava com uma diversificação temporal de mais de 5 anos e vinha capturando toda a recuperação econômica com bastante sucesso.
Paralelamente, eu também tenho uma estratégia complementar com opções para geração de renda com venda coberta de opções de venda (PUT) e de compra (CALL). Esta última com um pouco mais de um ano e meio de execução e aproximadamente 150 operações bem sucedidas.
Nadando pelado
Existe uma analogia no mercado financeiro que diz que é quando a maré baixa que você descobre quem está nadando pelado.
É uma analogia para descrever aqueles investidores que estão aproveitando um movimento de alta, as vezes alavancado, as vezes sem proteções, ou seja, não estão preparados adequadamente para enfrentar uma crise.
Contudo, vamos ser justos aqui. É preciso dizer que não conheço ninguém que estava totalmente preparado para uma crise destas, o mundo não estava preparado e, portanto, todo mundo em maior ou menor grau foi impactado por esta revoada de cisnes negro.
Aliás, eu escrevi um artigo quando tive a minha primeira experiência com um cisne negro. Clique no link abaixo, caso você queira entender um pouco mais sobre este conceito criado por Nassim Nicholas Taleb.
O precipício
O início do ano começou muito promissor e mesmo com a notícias do surgimento de um surto de coronavírus na China, parecia que nada abalaria o ano que poderia ser de bastante prosperidade para nossa economia.
Na última semana de janeiro/2020 o mercado começou a ficar nervoso e entrar em correção. Nestes momentos é onde surgem boas oportunidades para montar posições em opções de venda. A volatilidade, o risco e os prêmios aumentam.
Para funcionar bem esta estratégia, depois que monto a posição, o mercado tem que estabilizar e/ou voltar a subir (no caso das puts). No entanto foi justamente o contrário que aconteceu no período do carnaval. O mercado desabou como já mostrei no gráfico do índice Bovespa.
Mesmo com o mercado afundando, eu continuei me afundando junto com montagem de novas posições. Quando eu percebi a gravidade do que estava acontecendo, o estrago já estava feito.
Eu acabei ficando com várias posições descobertas que dificilmente se recuperaria antes do vencimento.
Operando descoberto
Para montagem de posições em opções é necessário oferecer algum recurso como garantia na corretora, seja dinheiro ou ativos de investimentos.
Tecnicamente eu não estava descoberto, mas na prática isso não era verdade.
Eu sempre ofereço minha carteira de ações de longo prazo como garantia para montagem das posições. No entanto, o que confere cobertura efetivamente é uma posição em caixa que mantenho como reserva de emergência e reserva de oportunidade. Pois em cenário adverso (mercado movimentando contra minhas posições), eu serei obrigado a comprar ou vender as ações dos contratos futuros que eu monto nesta operação.
O que aconteceu efetivamente, foi que as minhas reservas já estavam muito pequenas por conta de um exercício de opções do ano anterior. Eu fui traído pela minha confiança e ainda negligenciei a minha estratégia e não desfiz das posições para recompor a liquidez.
Quando o mercado afundou neste cenário de crise, eu não tinha mais recursos financeiros em reservas para cobrir as posições que tinha montado. Para piorar ainda mais a situação a minha carteira de ações desvalorizou em torno de 50% e ficou bloqueada pela corretora como garantia das operações de opções montadas.
Por fim, depois de muitos anos de experiência com praticamente todo tipo de investimento, senti medo, desespero, desesperança, tristeza e passei alguns dias bem mal, pois estava de mãos amarradas, só contanto os dias para o vencimento quando eu veria meu prejuízo se realizar. Não sabia o que fazer.
A sensação era de que tinha colocado tudo a perder.
Casas de análises de investimentos
Eu assino alguns produtos de investimentos de casas de análises e pesquisas. Este tipo de assessoria não foi capaz de antever todo este problema.
De qualquer forma, naquele momento estava muito complicado de analisar o mercado e traçar alguns possíveis cenários para poder fazer algum movimento minimamente assertivo. Estava muito opaco o futuro.
Mesmo assim toda e qualquer recomendação que vinha dos profissionais, não eram válidas para mim. Toda minha carteira ficou presa, não tinha como fazer nenhum movimento de proteção.
Contudo, eu cheguei a uma conclusão com a ajuda das assessorias que assino. O momento seria de buscar preservação de capital e se necessário cortar na própria carne para migrar o patrimônio para qualidade para atravessar a crise.
Mas eu estava muito resistente a aceitar qualquer prejuízo e este bloqueio estava me impedindo de achar uma saída.
Sabendo disso, desliguei de tudo e fui praticar atividade física ao ar livre e tive a ideia que seria a única forma que enxerguei para sair do enrosco que me meti.
A luz no fim do túnel
A ideia que tive seria levantar alguns recursos com venda de alguns ativos antigos que tinha em carteira que ainda estavam no positivo mesmo após a queda aguda. Juntamente com isso, vender novas opções de venda para vencimentos mais à frente de 1 a 2 meses de acordo com a liquidez disponível com strike igual ou menor as posições existentes.
Com este pequeno passo, utilizaria os recursos levantados para recomprar o quanto for possível de opções do vencimento atual e desmontar as posições mesmo com prejuízo.
O objetivo com este movimento seria diminuir o prejuízo e desbloquear minhas ações que estavam em garantia e assim poder ir vendendo mais ativos e rodando este ciclo até desmontar todas as posições que tinham sido impactadas negativamente pela crise.
Este movimento adicionaria mais riscos, porém eu levantaria recursos financeiros e diminuiria o strike das posições minimizando ou adiando um possível prejuízo mais à frente.
A operacionalização
Com a estratégia definida, vamos a execução. O início foi o mais difícil e depois dos primeiros movimentos de desmontagem, a tática até passou a fazer parte da minha estratégia para mitigar riscos.
Concentrei todos os gastos do mês no cartão de crédito, raspei todas as economias da renda fixa que ainda restavam e juntei com o salário do mês.
Ofereci este pequeno montante de dinheiro como garantia e assim destravei alguns lotes de ações da garantia e vendi a preço de mercado com um pequeno lucro. Com esta grana levantada, desmontei algumas poucas posições de opções, que por sua vez destravaram mais um pouco de ativos em garantia.
Ao mesmo tempo, dado a volatilidade e prêmios altos do momento conturbado, surgiram boas oportunidades de montar novas posições com vencimentos mais a frente e com strike igual ou menor. Topei assumir mais este risco (desde que ele fosse igual ou menor ao do vencimento corrente) e isso gerou mais recurso para desmontar mais posições.
Para resumir uma história longa que durou até agosto de 2020, algumas posições foram cobertas, outras foram desmontadas com prejuízo e outras foram simplesmente roladas/adiadas.
Opções de fevereiro
- Garantia: R$ 48.952,00
- Prêmio: R$ 714,06
- Lucro Mensal/Anual: 1,46% / 18,98%
- Status: nenhuma operação exercida, 100% de efetividade, porém o retorno levemente abaixo do objetivo de 1,5% a 2% ao mês.
Opções de março
- Garantia: R$ 83.276,00
- Prêmio: R$ 666,14
- Lucro Mensal/Anual: 0,80% / 10,03%
- Status: Fui exercido em R$ 65.854,00. Consegui levantar os recursos necessários para cobrir o exercício sem desmontar nenhuma posição. Porém fiquei sem nenhuma reserva no meio do caos.
Opções de abril
- Garantia: R$ 114.169,00
- Prêmio: R$ 1.213,42
- Desmontagem: -R$ 17.627,58
- Lucro Mensal/Anual: -38,45% / -99,70%
- Status: Concentrou a maioria das desmontagens de posições com prejuízo.
Opções de maio
- Garantia: R$ 99.870,00
- Prêmio: R$ 8.690,40
- Desmontagem: R$ 3.007,01
- Lucro Mensal/Anual: 8,27% / 159,37%
- Status: Algumas posições montadas neste vencimento para gerar recurso para as desmontagens de outras posições, foram feitas em momentos de grande volatilidade, cenário onde os prêmios ficam altos.
Opções de junho
- Garantia: R$ 70.198,00
- Prêmio: R$ 1.513,03
- Lucro Mensal/Anual: 2,16% / 29,16%
- Status: O vencimento ocorreu com todas posições cobertas. Porém fui exercido em mais de R$ 30.000,00 de calls, no movimento de recuperação do mercado.
Opções de julho
- Garantia: R$ 119.561,00
- Prêmio: R$ 3.298,20
- Lucro Mensal/Anual: 3,38% / 49,00%
- Status: Último vencimento com posições impactadas pela crise. Teve desmontagem com prejuízo e uma parte de posições exercidas.
No mês de julho ficou marcado como o mês da sobrevivência financeira, que consegui passar pelo pior momento da crise machucado, com prejuízo, mas vivo, mais experiente e presente no jogo.
Diagnóstico
O problema deste perrengue todo que passei só aconteceu devido a alguns erros que cometi.
Em primeiro lugar, eu tive algumas posições que foram exercidas no ano anterior e isso reduziu minhas reservas. Naquele mesmo ano eu tive mais de uma oportunidade de desfazer das posições com lucro e não fiz, por puro apego emocional com os papeis.
Quando chegou esta crise, a minha carteira de longo prazo estava toda desbalanceada, com poucas proteções e sem reservas para socorrer as operações com opções e aproveitar as várias oportunidades que apareceram.
Isso deve-se ao fato de eu não possuir um plano de investimento claro para saber como agir nos diversos momentos que se apresentam. A falta do plano deixa a gente a mercê do emocional, o que quase sempre atrapalha muito e me levou a cometer erros muito básicos.
Por fim, quando o mercado começou a deteriorar eu não adotei uma postura de cautela e operei opções contra o mercado. Isso foi fatal e é conhecido como tentar pegar faca caindo, o que nesta analogia significa que o risco é muito alto e a chance de sair machucado também é muito real.
Lições aprendidas
São várias lições que tirei desta experiência e que requer ação imediata.
Primeira lição: não carregar posição em ação que não tenha algum acompanhamento, da minha parte ou de terceiros (profissional). Esta crise mostrou que eu tenho ações de baixa qualidade na carteira e que deveria ter realizado o lucro ou pelo menos reduzido o tamanho da posição.
Segunda lição: ter um plano de investimento escrito que funciona como um manual para consultar e saber o que fazer independente do momento. Este plano deve ter uma alocação teórica que compara com a carteira e mostre os desvios para me auxiliar a identificar os excessos e fazer o rebalanceamento periodicamente.
Terceira lição: a importância da diversificação geográfica e mitigação do risco do viés doméstico. Nosso mercado é pouco desenvolvido, foi o que mais sofreu na crise. Nós temos poucas opções de investimento em mercados mais maduros. No entanto, já existem algumas empresas oferecendo boas opções para investir no exterior de maneira fácil e descomplicada.
Quarta lição: reconhecer a minha própria incompetência ao investir, por mais que gosto e estudo muito este assunto. Eu não sou profissional e sempre estarei sujeito a erros ou mesmo atrasado na percepção do risco sistêmico. Dado este exercício de humildade epistemológica, delegar parte da carteira de investimento aos cuidados de profissionais através de fundos de investimentos locais e internacionais seria uma forma de mitigar o risco da minha ignorância.
Quinta lição: opções é um veículo de especulação muito arriscado. Então nunca operar descoberto, sempre ficar muito atento ao risco assumido e usar de oportunidades de desmontagem como parte de mitigação do risco. Cometi todos estes erros relacionados a opções, isso quase me custou a sobrevivência.
Conclusão
Considero muito importante manter a calma para tomar decisões. Aprender que assumir algum prejuízo faz parte do jogo para conseguir atravessar crises ainda no jogo.
Durante estes meses, refleti bastante e algumas decisões e mudanças precisaram ser tomadas.
Eu já iniciei a elaboração de um plano de investimento que deixa claro a alocação ideal para meu perfil. Isso vai me orientar na tomada de decisões e me trazer o benefício da alocação de ativos, permitindo balancear a carteira periodicamente sem deixar o emocional influenciar.
Uma parte dos investimentos serão destinados aos cuidados profissionais, principalmente a parcela internacional. Isso é importante pois nossa bolsa é considerada de beta alto e sofre muito quando tudo tá muito ruim. Além de alocar parte do dinheiro em investimentos mais seguros (diversificação geográfica). Conferindo assim o benefício de ter dinheiro em várias moedas fortes (Dólar, Libras, Iene, Franco Suíço e Euro), já que a nossa moeda também desvalorizou bastante.
No momento que termino este texto os mercados já recuperaram boa parte das perdas e o cenário futuro já está um pouco menos nublado, permitindo traçar cenários mais prováveis de concretizar, já que os impactos tanto de saúde quanto econômicos já estão aparecendo e sendo estudados.
Por fim, que registrar que compartilho minha experiência com o objetivo de refletir sobre meus acertos, erros e reforçar o meu próprio aprendizado e também ajudar outras pessoas. Compartilhe comigo nos comentários como que você passou por esta experiência.
Fontes: A histórica semana do Ibovespa, Bovespa despenca 14,78% e tem maior queda em quase 22 anos, Tragédia com day trader nos EUA ilumina lado sonmbrio para novos investidores em ações, Perdas, pânico e até morte: a hecatombe do coronavírus no mercado, Circuit Breaker: O que é, Como funciona e Histórico na Bovespa